A HISTÓRIA DE ANTÔNIO LISBOA

A HISTÓRIA DE ANTÔNIO LISBOA

História de Lisboa

Foi advogado, fiscal Ministério do Trabalho quando exerce o seu lado homem; faz parte do folclore do cidadão, foi também cabeleireiro, transformista, cantor e pintor quando leva uma vida de emocionantes aventuras, com perspicácia e inteligência.

 

Antônio Lisboa Neto nasceu em 2 de julho de 1947, na cidade de Ilha das Flores, sendo filho de Luís Ferreira Lisboa e Helena Leite Lisboa. Do pai, aplica em vida a lealdade, personalidade forte e honestidade. A mãe Helena é o grande espelho de sua vida, apoio em todas as horas, espírito de bondade e mulher responsável pela veia artística do filho.

 

Sendo filho do prefeito da cidade, iniciou os estudos em escola de boa qualidade, aprendendo lições do ABC com a professora Dona Maria Brito. Na cidade de Penedo (AL), estudou o 4º ano primário internado no Seminário Nossa Senhora de Fátima. Pela sua delicadeza, por levar jeito, seus pais achavam que tinha tudo para ser padre. Uma esperança alimentada pelo próprio Lisboa, que não perdia nenhum dia de missa antes de chegar ao Seminário. Considerava forte a cultura e a religiosidade da igreja. O caminho percorrido como seminarista foi de grande proveito e Lisboa considera essa parte de sua vida bastante gratificante por muitos motivos. Quando chegou ao Seminário já possuía certa tendência para o lado feminino. Nos contatos íntimos com alguns colegas de Seminário, surgiu a primeira paixão de sua vida. “Tinha 14 anos e aconteceu um amor meio platônico.” Com 16 anos de idade, com convicção, mas cheio de conflitos consigo mesmo, descobriu quando estava internado no Seminário de Propriá que tinha chegado a hora de sentir o gosto do fruto que há muito estava tentando provar. “Surgiu de repente, aconteceu, e era aquilo mesmo que eu queria. Mudou minha cabeça, mudou tudo e foi bom enquanto durou.” Também esteve como seminarista em Aracaju.

 

ZAGUEIRO - Na capital de Sergipe, estudou no Seminário Sagrado Coração de Jesus, onde passou cinco anos de dedicação completa aos estudos. “Guardo grandes recordações daqueles anos.” Jogou muito futebol, sem nunca desgrudar da camisa 3 de jogador de defesa, o famoso beque do Seminário, onde a bola passava, mas o jogador ficava. Atleta de algumas façanhas chegou a fazer um gol após driblar todo o time adversário, depois de ter saído do setor de defesa. Além da paixão pelo esporte, o Arquidiocesano deu formação completa, com aulas de canto, teatro e professores de gabarito. Quando a Diocese de Propriá colocou em  funcionamento um Seminário,  juntamente com mais de 20 seminaristas da região do Baixo São Francisco, Lisboa foi transferido para o Seminário São Gerônimo, onde trocou o curso científico pelo de técnico em Contabilidade. Internado no Seminário e estudando na Escola Técnica de Propriá, ainda arranjou tempo para ensinar História e Geografia no Ginásio Diocesano. Pessoa simpática toda vida, com facilidade para fazer amigos, conquistou muita gente, inclusive o coração de uma mulher, sua primeira e única namorada.  Encontro acontecido às escondidas no cinema da cidade, sob a luz da projeção do filme exibido nas tardes de domingos. Enquanto os bandidos davam socos e trocavam tiros na tela, na cadeira do cinema Djenalva tentava de tudo para conquistar Lisboa, que fazia o gênero comportado, brincando de faz-de-conta. “Era tudo falso, porque ela queria e eu não sentia nada”. Tinha pena, tinha muito carinho por ela e recebia muitos presentes. “Lisboa alimentou por algum tempo a paixão que Djenalva nutria por ele, pois tentava ver se despertava o seu lado masculino”. “A partir daí não quis saber mais de experiência com mulheres.”

 

 

DIREITO

- Em 69, revoltado com o reitor do Seminário de Própria, que lhe repreendeu de forma grosseira, e por outras coisas descobertas pela igreja, abandona o Seminário à véspera de fazer Filosofia, deixando de lado a ideia de ser padre. Decide fazer Direito em Aracaju, considerando que era um leque de experiências novas que abria e porque em Aracaju não havia o curso de Arquitetura, um sonho que foi logo esquecido. “Estou realizado por ter feito Direito, profissão que encaro com a maior seriedade e dedicação.” O primeiro emprego foi como caixa da Distribuidora Silvestre, onde tinha todo o dinheiro em suas mãos: acolhido, conferido e reconvertido com uma competência que lhe valeu a promoção para o setor de contabilidade da empresa. Fez com êxito concurso para a Universidade Federal de Sergipe, no ano de 1970, ingressando no quadro de auxiliar administrativo, lotado na Faculdade de Filosofia. Entrou fazendo catalogação de livros na biblioteca da faculdade, chegando à coordenação.

 

FORMATURA

- Em 8 de dezembro de 1974, colocou anel no dedo, com pedra vermelha, formando-se bacharel em Direito. No ano seguinte, ingressa no Ministério do Trabalho, mais uma vez passando em concurso, para atuar como fiscal da Delegacia Regional do Trabalho em Sergipe. Para mostrar a seriedade do seu compromisso no trabalho, tratou de cortar o cabelo e só sair com a pastinha, de paletó e gravata. “Tive que ser muito homem para chegar junto. Tive que ser ator e até hoje sou um ator da vida. Posso dizer que sou três pessoas em uma só: o lado artístico, olhado homem e o lado profissional.” Lisboa foi barrado pelo segurança de uma agência bancária de Aracaju, quando foi desempenhar sua função de fiscal do Ministério do Trabalho. Mostrou a carteira funcional e disse que, ali, era uma autoridade, mas o guarda foi irredutível e barrou Lisboa no seu exercício profissional masculino. “Como o meu lado de artista gritava muito, como sempre fui alegórico e tudo, me vestindo de mulher no Carnaval, parte da minha vida íntima, então o guarda se chocou.” Numa viagem que fez a Brasília, ficou fascinado com a arte da maquiagem e do cabelo, vendo arregalados um seu amigo de nome Jô fazer as cabeças de seus clientes, quando conseguia transformar mulheres em verdadeiros monumentos. Com uma oportunidade dada pelo amigo, pegou um pincel, fez bonito e, dos aplausos de Brasília, sentiu como era gostoso o sabor do mundo da beleza. De volta a Aracaju, monta o Billi-Ballu, que funcionava com a sacolinha de maquiagem, marca de Lisboa nos primeiros passos de sua carreira de maquiador. “Estava presente nos casamentos, preparando mulheres para festas. Nessa época, distribuía com meus amigos cartões do Billi-Ballu, que funcionava na minha casa.” Fazia somente maquiagem, quando suas clientes reclamaram um profissional mais completo e ele partiu para São Paulo a fim de fazer um curso intensivo de cabelo. Dentre as pessoas de Aracaju que foram decisivas no início de sua carreira, cita Pedrito Barreto. “Ele acreditou e me incentivou. Depois veio João Barreto, a própria Thaís Bezerra, Sacuntala, João de Barros e Lânia Duarte. Não posso deixar de reconhecer o valor da crônica social no trabalho de incentivo e de acompanhamento de toda minha carreira, me apoiando sempre, até hoje.” Das clientes especiais, ele prefere deixar de lado, para não se esquecer de ninguém, pois considera todas muito especiais. Do início da profissão, lembra o nome de Gilda Gama, Yara Viana de Assis, Clara Moraes, Celuta Moraes, Vera Sobral, Lea e CarmemMaciel.

 

MULHER DESCABELADA

- Uma coisa que o revolta é fazer um cabelo maravilhoso e depois encontrar a mulher toda descabelada. “Penteei uma mulher lindíssima e, quando ela chegou a casa, o marido destruiu tudo. Encontrei com ela na mesma festa, com rabo de cavalo e uma borrachinha de dinheiro na cabeça.” Mas sente mesmo, com pesar, é a falta de valorização do profissional. “Tem um salão que está no tabuleiro. Acho que o dono do salão nem tem o senso do ridículo.” Gosta de cantar seresta e foi tenor solista por 15 anos do coral da Universidade Federal de Sergipe, tendo acompanhado o coral em exibições por vários Estados. Faz transformismo, imitando bem Clara Nunes,Lisa Minelli e Marisa Monte. Reclama que não existe em Aracaju casa lhe ofereça condições para ele se caracterizar e entrar em cena. Mesmo assim, de vez em quando tenta grandes produções, como aconteceu com o Lisboa Halley Show, apresentado por 12 vezes e com casa lotada. Organizou o Miss Brasil Gay em Sergipe, com muita ousadia, conseguindo levar para a plateia a sociedade sergipana. Hoje, devido às briguinhas entre as próprias “candidatas” por causa do resultado final, retirou por completo do seu calendário esse tipo de evento. Mas, em outras cidades, Lisboa vai continuar mostrando tudo o que tem. Já representou Sergipe por mais de cinco concursos como Miss Sergipe Gay, e trouxe até prêmios, dizendo que o que pesa mesmo é a produção. “Como não sou uma pessoa bonita e sim charmosa, quando coloco minha produção eu arraso no palco.” Quando a família descobriu o seu lado feminino, foi um escândalo. “Quando me depilei pela primeira vez, minha mãe fez uma carta, que até hoje eu tenho guardada, dizendo que eu não precisava me expor tanto para desabrochar o meu lado feminino. Mas eu agradeço a ela e até hoje tenho uma mãe e tanto, que me dá apoio total e até borda minhas fantasias quando preciso. Ela é ótima, eu dou nota 10!” Ele fala com grande satisfação da família, que é estruturada, os pais estão vivos e tem os irmãos. “Meu irmão Napoleão, Frederico, Nancy, Eurico, Lucércia e Fátima. Às vezes pensam que meus irmãos discriminam a gente, mas é muito pelo contrário, cada um tem sua personalidade marcante. Posso colocar o Paulo Fiúza, o gerente do meu salão que mora comigo há oito anos, que considero também um irmão”. Antes de ser conhecido, sentia discriminação por onde passava em Aracaju. Discriminado por donos de bares e restaurantes, discriminados em plena rua da cidade. Hoje, onde os mesmos donos de bares e restaurantes fazem questão de cumprimentá-lo, de oferecer o brinde da casa e de providenciar uma mesa extra, quando acontece da casa estar cheia.

 

 

BICHINHOS DE PELÚCIA

- Sobre os casos amorosos, diz que são o “único multiplicador que funciona bem” em sua vida. “Recebo presentes e mais presentes, flores, caixas de chocolates, cartões tranzadíssimos, bichinhos de pelúcia!” Num relacionamento de afetividade maior, quase acabou com o noivado de certa pessoa de conceito em Aracaju. “Tive que falar para a noiva dele para cobrir o seu lado, pois ela desconfiava que ele era gay. Não desconfiava de mim nem um pouco. Imagine?” Até de mulheres recebe cantadas fortíssimas. Para ele essas são amais burras, pois todo mundo sabe que ele adora as mulheres para embelezá-las, jamais para ir para a cama. Lisboa é o estilista das noivas, tendo mais de 15 noivas de destaque da sociedade sergipana que foram ao altar com roupas criadas por ele. Considera-se uma pimenta bem vermelha, mas que não deseja passar essa pimenta nos “olhos” de ninguém. “Num carnaval, fui a um baile acompanhado de um dos meus ex-maridos. Quando cheguei no baile, um rapaz afoito pegou onde não devia. Meu caso deu um soco na cara dele que foi um escândalo!” Promete nunca acabar o Baile das Atrizes, o sucessor do Baile dos Artistas, criado por João de Barros. “A peteca está ótima e não vou deixá-la cair. É uma promoção séria e que toda sociedade prestigia”.

 

LÍNGUA FERINA

- Atuou na televisão sergipana, precisamente na TV Atalaia, nos anos 89 e 90, com o programa “Lisboa à Tarde”. “Era a parte que me completava, que gostava de fazer. Ali contei com todo apoio do Dr. Tácito Faro. Tenho vontade de um dia voltar. Afinal, sou radialista sindicalizado.” Na imprensa escrita, uma passagem pela Gazeta de Sergipe, assinando a coluna “Lisboa Socialmente”, publicada na edição dominical do suplemento “A Gazetinha”. Foi notícia nacional quando foi matéria na revista Istoé, falando do comportamento das mulheres da sociedade sergipana em salões de beleza. “Foi a grande decepção de minha vida, pois confiei numa jornalista que não tem competência, que só disse mentiras, querendo me prejudicar e mais: disse que eu tinha uma língua ferina”. Eu ia pedir retratação, ia para a Justiça, mas preferi abafar. Até mesmo as minhas clientes, que foram proibidas pelos maridos de frequentar o meu salão, com mais uns dias retornaram e trouxeram mais amigas, chegando convictas de que quem tinha a língua ferina era a tal jornalista de Aracaju, que passou as informações erradas para a equipe da Istoé.

 

28 de julho de 1998 O carnavalesco, advogado e radialista Antônio Lisboa Neto, 51, foi assassinado na madrugada  em sua casa, no bairro Atalaia (zona sul de Aracaju), com 14 facadas. O principal suspeito é um garoto de programa identificado apenas como César. 

 

Tonho de Itabi

Contador de Histórias